Considerações iniciais:
As diversas áreas do conhecimento se caracterizam pelo uso de tipos
específicos de simbologia, vejamos: para que possamos ter certa noção sobre
música é necessário dominar os símbolos musicais (notas, claves, etc.), se
desejamos dominar o campo da química é necessário conhecer a simbologia dos
elementos químicos. Os profissionais da área de saúde (psicólogos, psiquiatras,
médicos) não são diferentes – eles necessitam de uma simbologia que os auxilie
a identificar possíveis alterações físicas e mentais; esses símbolos são
denominados de sinais e sintomas.
Os sinais são achados objetivos observados pelo (psicólogo
/psiquiatra), por ex. afeto rígido e retardo psicomotor; os sintomas são
expressões subjetivas descritas pelo paciente, p.ex. humor deprimido e energia
diminuída.
Vamos avançar um pouco mais. Quando o profissional da área de saúde coleta,
por meio de exames, testes e entrevistas, um conjunto de sinais e sintomas
que apenas descrevem um processo patológico, sem que se feche o diagnóstico,
dizemos que ele está diante de uma síndrome.
Se esse profissional fecha o diagnóstico, ou seja, consegue
interpretar criteriosamente o conjunto de sinais e sintomas que o paciente
apresenta, dizemos que ele está diante de um transtorno específico
(doença).
Na área de saúde mental, trabalha-se muito mais com síndromes do que
com doenças ou transtornos específicos – possivelmente para evitar uma
rotulação do paciente. Para facilitar a navegação nos textos utilizaremos a sigla SD em referência ao
termo “síndrome(s) depressiva(s)”.
“Em psicopatologia e
psiquiatria, trabalha-se muito mais com síndromes do que com transtornos
específicos” (Dalgalarrondo).
1-
Introdução
Pacientes com SD tendem a apresentar um número maior ou menor de
sintomas, portanto é importante frisar que não temos como objetivo generalizar
os quadros depressivos.
As SD são atualmente reconhecidas como um problema prioritário de
saúde pública. Segundo levantamento da OMS, a depressão maior unipolar é
considerada a primeira causa de incapacidade entre todos os problemas de saúde,
elevando os custos sociais e econômicos.
O fenômeno da depressão tem
chamado a atenção na atualidade por sua crescente incidência no mundo todo. De
acordo com o Relatório sobre a Saúde no Mundo, da Organização Mundial de Saúde
(2011), a depressão grave é atualmente a principal causa de incapacitação na
população em geral, situando-se em quarto lugar entre as dez principais causas
da carga mundial de doenças. De acordo com o mesmo documento, se as projeções
se mantiverem corretas, nos próximos vinte anos a depressão deverá ser a
segunda das principais causas das doenças no mundo. O Ministério da Saúde
calcula que, em um dado momento da vida, entre 13% e 20% da população apresenta
algum sintoma depressivo; além disso, o custo agregado por prejuízo ao trabalho
é imenso (Wannmacher, 2004).
2-
Características
É comum ouvirmos esse termo em vários segmentos da área de saúde - psicólogos
/ psicanalistas e médicos lidam costumeiramente com situações que envolvem
pessoas com sintomas de tristeza, sem afetividade. Podendo ser utilizado tanto
para sintomas isolados – situações do dia a dia – ou associado a diversas
manifestações clínicas.
A perda de interesse ou prazer são os sintomas básicos da depressão.
Os pacientes apresentam-se tristes, sem esperança, com sentimento de
inutilidade. Frequentemente descrevem os sintomas como sendo de dor emocional
lancinante, queixam-se, ocasionalmente, de serem incapazes de chorar. Quase
todos os pacientes deprimidos (97%) queixam-se de uma diminuição da energia que
resulta em dificuldades para terminar tarefas, acarretando comprometimento nas atividades
diárias (escola, trabalho) e motivação diminuída para assumir novos projetos.
Cerca de 80% queixam-se de problemas para dormir, especialmente despertar nas
primeiras horas da manhã, às vezes são acometidos de múltiplos despertares
durante a noite, durante os quais “remoem” seus problemas (Kaplan, 1997).
3-
O que é a depressão?
A depressão pode ser
vista a partir de três ângulos: como fator afetivo, como sintoma e como
síndrome – vejamos:
3.1
Como fator afetivo normal
A afetividade é uma
dimensão que colore a existência humana. A ausência de afetos torna a vida
psíquica do indivíduo embotada, ou seja, sem brilho, sem cor e sem calor.
“A vida afetiva ocorre sempre
em um contexto de relações do Eu com o mundo e com as pessoas, variando de um
momento para outro à medida que os eventos e as circunstâncias da vida se
sucedem” (Dalgalarrondo 2008, p.159).
A depressão como fator
afetivo apresenta como característica típica um sentimento de tristeza de
intensidade leve a moderada. Nesse caso a depressão é reativa e surge em função
de uma resposta do organismo a certos eventos, como perdas, derrotas e outras
vicissitudes. Em geral, apesar de comprometer certas funções psicológicas como
o sono e o apetite, esse tipo de depressão não chega a ser grave; tende a ser
de curta duração, ou mesmo proporcional ao evento. Todavia, consiste num sinal
de alerta de que o indivíduo está necessitando de apoio emocional, principalmente
das pessoas mais próximas a ele.
Deve-se ficar atento
para uma possível evolução do nível de tristeza e da sintomatologia da pessoa;
lentificação motora, sentimento de culpa, ou mesmo ideias suicidas. Neste caso
o quadro pode estar evoluindo para um estado melancólico, sendo imprescindível
a intervenção tanto do psicólogo quanto do psiquiatra.
3.2
Como sintoma
Enquanto sintoma, a
depressão pode surgir em função de uma enormidade de quadros clínicos, entre os
quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia,
alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações
estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas.
3.3
Como síndrome
Enquanto síndrome, a
depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade,
falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma multiplicidade de
sintomas, entre eles:
I. Afetivos:
Tristeza, melancolia
(quadro grave), choro frequente, estado de indiferença (apatia), sentimento de
tédio, aborrecimento crônico, irritabilidade, angústia, ansiedade e desespero.
Vide item 3.1.
II. Instintivos e Neurovegetativos:
Fadiga, insônia,
diminuição da libido - incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida
(anedonia).
III. Ideativos:
Pessimismo, sentimento de
culpa, mágoa, tédio, ideias de morte (planos ou atos suicidas).
IV. Cognitivos:
Déficit de atenção e
concentração, déficit secundário de memória e dificuldade de tomar decisões.
V. Sintomas de autovaloração:
Sentimento de
incapacidade, sentimento de vergonha e autodepreciação (autoestima baixa).
VI. Sintomas de Volição e Psicomotricidade:
Tendência a permanecer na
cama por todo o dia, aumento na latência entre perguntas e respostas, lentificação
psicomotora (estupor), fala lentificada, mutismo (negatividade verbal);
negativismo (recusa à alimentação, à interação pessoal).
VII. Fenômenos biológicos (neuronais ou neuroendócrinos) associados.
Algumas doenças associam
a depressão ao seu quadro clínico, assim, antes de iniciar a psicoterapia ou mesmo
o tratamento psiquiátrico e/ou psicoterápico é fundamental que o paciente
submeta-se a uma avaliação médica criteriosa, eliminando possíveis fatores
orgânicos.
Obs. É importante frisar
que estamos nos referindo, neste item, a situações que envolvam a hipótese de algum
tipo de organicidade.
A doença da tireoide e outras endocrinopatias podem manisfestar-se
como transtorno de humor ou uma psicose; o câncer ou uma doença infecciosa,
como depressão; infecções e doenças do tecido conjuntivo, como alterações
agudas do estado mental. Além disso, uma série de condições mentais orgânicas
ou neurológicas podem apresentar-se primeiro ao psiquiatra (Kaplan, p.271).
3.4
Como doença
A depressão como doença
(transtorno) trata-se de um “desafio psicopatológico permanente”. Essa condição
tem sido classificada de várias formas, dependendo basicamente da preferência
dos autores e do ponto de vista adotado. Na literatura encontramos termos, tais
como: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante
do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc. Não
é nosso objetivo aprofundar esse campo, já que nossa meta é atingir um público
leigo, cujo interesse limita-se aos aspectos básicos e fundamentais das
síndromes depressivas.
4-
Tratamento das síndromes
depressivas
Embora a especialidade
que trata as SD (em termos farmacológicos) seja a psiquiatria, há uma
intromissão de profissionais de outras áreas médicas, tais como: clínicos,
geriatras, ginecologistas, etc. que prescrevem medicações de ação psicotrópica
(tarja preta), e com isso o paciente é subtratado, agravando o seu estado clínico.
Você
já teve conhecimento de um psiquiatra que trata de gastrite, ou de uma
pneumonia?
Entretanto, há pessoas
que, mesmo em meio ao sofrimento, relutam em procurar um profissional da área
de saúde mental (psicólogos e/ou psiquiatras), devido ao estereótipo que
“psicólogos e psiquiatras são médicos de loucos”.
A depressão não pode ser tratada
como uma ocorrência isolada, mas a partir do contexto no qual o indivíduo
esteja inserido, ou seja, deve-se levar em conta o todo do paciente:
dimensões biológicas, psicológicas e sociais. O tratamento deve ser próprio
para cada indivíduo, podendo incluir psicoterapia, mudança de estilo de vida e
terapia farmacológica de acordo com a gravidade e características de cada caso.
No Brasil, existem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que
proporcionam atendimento gratuito para pessoas em sofrimento mental cuja
severidade as impeçam de realizar suas atividades diárias. Conforme documento
do Ministério da Saúde (2004), os CAPS têm como objetivo
atender à população em sua área de
abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos
usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e
fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de saúde
mental criado para substituir as internações em hospitais psiquiátricos (Rev.
abordagem gestalt /Online/ 2013 vol.19, n.1).
Estudos apontam que tratamentos
com psicoterapia combinada com medicação foram considerados mais eficazes do
que tratamentos farmacoterapêuticos isolados, mesmo se considerando a
necessidade de mais estudos nesta direção. Assim sendo, vislumbra-se o papel essencial
que a psicologia pode exercer no desenvolvimento de intervenções que possam
contribuir para amenizar o sofrimento do paciente em depressão.
5-
Conclusão
Na sociedade pós-moderna
o mal-estar tem assumido novas dimensões, onde a relação entre organismo e meio
fica evidente nos registros do corpo e da ação; dores diversas e inespecíficas,
sensações de completo esgotamento, stress.
Esta nova modalidade de
mal-estar implica numa substancial alteração no nível psicológico do indivíduo,
resultando em isolamento, tristeza e alterações de humor, um “prato cheio” para
a proliferação das síndromes depressivas.
Com isso a concepção de
uma existência saudável fica seriamente comprometida. Entretanto o que se propõe
hoje são ações de prevenção (profilaxia), na busca de uma vida mais saudável.
Segundo Bohoslavsky, “não são as doenças que definem os indivíduos, mas sim os
indivíduos que definem as doenças”.
Partindo do princípio que
somos seres de relação, fica óbvio que o isolamento contribui em muito para o
aparecimento de sintomas depressivos. O contato entre os seres é condição sine qua non para uma vida saudável.
Torna-se necessário compreender que não basta apenas estar no mundo, mas sim, estar
e interagir com ele, sem necessariamente responder as exigências massificadas
de um contexto pós-modernista onde o ter é mais importante que o ser.
Viver corretamente não é mais apenas o cumprimento de uma ordem
ética ou religiosa. Pela primeira vez na história, a sobrevivência física da
espécie humana depende de uma radical mudança do coração humano. Todavia, uma
transformação do coração humano só é possível na medida em que ocorram
drásticas transformações econômicas e sociais que deem ao coração humano a
oportunidade para mudança, coragem e visão para consegui-la. (Erich Fromm)
Valorize o seu viver!
REFERÊNCIAS:
COSTA, Elisabeth M. Sene: Universo da depressão. São
Paulo: Editora Agora.
DALGALARRONDO, Paulo: Psicopatologia
e semiologia dos transtornos mentais. 2ª Ed. São Paulo: Artmed, 2008.
KAPLAN & SADOCK:
Compêndio de Psiquiatria. 7ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 1997.
Paulo Gusmão
Psicólogo Clínico - Méier /RJ
CRP: 05/45814
Tel: 2595-2359 / 97489 -8008