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sábado, 7 de dezembro de 2013

Depressão – Um problema inquietante




Considerações iniciais:

As diversas áreas do conhecimento se caracterizam pelo uso de tipos específicos de simbologia, vejamos: para que possamos ter certa noção sobre música é necessário dominar os símbolos musicais (notas, claves, etc.), se desejamos dominar o campo da química é necessário conhecer a simbologia dos elementos químicos. Os profissionais da área de saúde (psicólogos, psiquiatras, médicos) não são diferentes – eles necessitam de uma simbologia que os auxilie a identificar possíveis alterações físicas e mentais; esses símbolos são denominados de sinais e sintomas.

Os sinais são achados objetivos observados pelo (psicólogo /psiquiatra), por ex. afeto rígido e retardo psicomotor; os sintomas são expressões subjetivas descritas pelo paciente, p.ex. humor deprimido e energia diminuída.

Vamos avançar um pouco mais. Quando o profissional da área de saúde coleta, por meio de exames, testes e entrevistas, um conjunto de sinais e sintomas que apenas descrevem um processo patológico, sem que se feche o diagnóstico, dizemos que ele está diante de uma síndrome.

Se esse profissional fecha o diagnóstico, ou seja, consegue interpretar criteriosamente o conjunto de sinais e sintomas que o paciente apresenta, dizemos que ele está diante de um transtorno específico (doença).

Na área de saúde mental, trabalha-se muito mais com síndromes do que com doenças ou transtornos específicos – possivelmente para evitar uma rotulação do paciente. Para facilitar a navegação nos textos utilizaremos a sigla SD em referência ao termo “síndrome(s) depressiva(s)”.

“Em psicopatologia e psiquiatria, trabalha-se muito mais com síndromes do que com transtornos específicos” (Dalgalarrondo).

1-   Introdução

Pacientes com SD tendem a apresentar um número maior ou menor de sintomas, portanto é importante frisar que não temos como objetivo generalizar os quadros depressivos.

As SD são atualmente reconhecidas como um problema prioritário de saúde pública. Segundo levantamento da OMS, a depressão maior unipolar é considerada a primeira causa de incapacidade entre todos os problemas de saúde, elevando os custos sociais e econômicos.

O fenômeno da depressão tem chamado a atenção na atualidade por sua crescente incidência no mundo todo. De acordo com o Relatório sobre a Saúde no Mundo, da Organização Mundial de Saúde (2011), a depressão grave é atualmente a principal causa de incapacitação na população em geral, situando-se em quarto lugar entre as dez principais causas da carga mundial de doenças. De acordo com o mesmo documento, se as projeções se mantiverem corretas, nos próximos vinte anos a depressão deverá ser a segunda das principais causas das doenças no mundo. O Ministério da Saúde calcula que, em um dado momento da vida, entre 13% e 20% da população apresenta algum sintoma depressivo; além disso, o custo agregado por prejuízo ao trabalho é imenso (Wannmacher, 2004).

2-   Características

É comum ouvirmos esse termo em vários segmentos da área de saúde - psicólogos / psicanalistas e médicos lidam costumeiramente com situações que envolvem pessoas com sintomas de tristeza, sem afetividade. Podendo ser utilizado tanto para sintomas isolados – situações do dia a dia – ou associado a diversas manifestações clínicas.

A perda de interesse ou prazer são os sintomas básicos da depressão. Os pacientes apresentam-se tristes, sem esperança, com sentimento de inutilidade. Frequentemente descrevem os sintomas como sendo de dor emocional lancinante, queixam-se, ocasionalmente, de serem incapazes de chorar. Quase todos os pacientes deprimidos (97%) queixam-se de uma diminuição da energia que resulta em dificuldades para terminar tarefas, acarretando comprometimento nas atividades diárias (escola, trabalho) e motivação diminuída para assumir novos projetos. Cerca de 80% queixam-se de problemas para dormir, especialmente despertar nas primeiras horas da manhã, às vezes são acometidos de múltiplos despertares durante a noite, durante os quais “remoem” seus problemas (Kaplan, 1997).

3-   O que é a depressão?

A depressão pode ser vista a partir de três ângulos: como fator afetivo, como sintoma e como síndrome – vejamos:

3.1          Como fator afetivo normal

A afetividade é uma dimensão que colore a existência humana. A ausência de afetos torna a vida psíquica do indivíduo embotada, ou seja, sem brilho, sem cor e sem calor.

 “A vida afetiva ocorre sempre em um contexto de relações do Eu com o mundo e com as pessoas, variando de um momento para outro à medida que os eventos e as circunstâncias da vida se sucedem” (Dalgalarrondo 2008, p.159).

A depressão como fator afetivo apresenta como característica típica um sentimento de tristeza de intensidade leve a moderada. Nesse caso a depressão é reativa e surge em função de uma resposta do organismo a certos eventos, como perdas, derrotas e outras vicissitudes. Em geral, apesar de comprometer certas funções psicológicas como o sono e o apetite, esse tipo de depressão não chega a ser grave; tende a ser de curta duração, ou mesmo proporcional ao evento. Todavia, consiste num sinal de alerta de que o indivíduo está necessitando de apoio emocional, principalmente das pessoas mais próximas a ele.

Deve-se ficar atento para uma possível evolução do nível de tristeza e da sintomatologia da pessoa; lentificação motora, sentimento de culpa, ou mesmo ideias suicidas. Neste caso o quadro pode estar evoluindo para um estado melancólico, sendo imprescindível a intervenção tanto do psicólogo quanto do psiquiatra.

3.2          Como sintoma

Enquanto sintoma, a depressão pode surgir em função de uma enormidade de quadros clínicos, entre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas.

3.3          Como síndrome

Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma multiplicidade de sintomas, entre eles:
  
I. Afetivos:

Tristeza, melancolia (quadro grave), choro frequente, estado de indiferença (apatia), sentimento de tédio, aborrecimento crônico, irritabilidade, angústia, ansiedade e desespero. Vide item 3.1.

II. Instintivos e Neurovegetativos:

Fadiga, insônia, diminuição da libido - incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida (anedonia).

III. Ideativos:

Pessimismo, sentimento de culpa, mágoa, tédio, ideias de morte (planos ou atos suicidas).

IV. Cognitivos:

Déficit de atenção e concentração, déficit secundário de memória e dificuldade de tomar decisões.

V. Sintomas de autovaloração:

Sentimento de incapacidade, sentimento de vergonha e autodepreciação (autoestima baixa).

VI. Sintomas de Volição e Psicomotricidade:

Tendência a permanecer na cama por todo o dia, aumento na latência entre perguntas e respostas, lentificação psicomotora (estupor), fala lentificada, mutismo (negatividade verbal); negativismo (recusa à alimentação, à interação pessoal).

VII. Fenômenos biológicos (neuronais ou neuroendócrinos) associados.

Algumas doenças associam a depressão ao seu quadro clínico, assim, antes de iniciar a psicoterapia ou mesmo o tratamento psiquiátrico e/ou psicoterápico é fundamental que o paciente submeta-se a uma avaliação médica criteriosa, eliminando possíveis fatores orgânicos.
Obs. É importante frisar que estamos nos referindo, neste item, a situações que envolvam a hipótese de algum tipo de organicidade.

A doença da tireoide e outras endocrinopatias podem manisfestar-se como transtorno de humor ou uma psicose; o câncer ou uma doença infecciosa, como depressão; infecções e doenças do tecido conjuntivo, como alterações agudas do estado mental. Além disso, uma série de condições mentais orgânicas ou neurológicas podem apresentar-se primeiro ao psiquiatra (Kaplan, p.271).

3.4          Como doença

A depressão como doença (transtorno) trata-se de um “desafio psicopatológico permanente”. Essa condição tem sido classificada de várias formas, dependendo basicamente da preferência dos autores e do ponto de vista adotado. Na literatura encontramos termos, tais como: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc. Não é nosso objetivo aprofundar esse campo, já que nossa meta é atingir um público leigo, cujo interesse limita-se aos aspectos básicos e fundamentais das síndromes depressivas.

4-   Tratamento das síndromes depressivas

Embora a especialidade que trata as SD (em termos farmacológicos) seja a psiquiatria, há uma intromissão de profissionais de outras áreas médicas, tais como: clínicos, geriatras, ginecologistas, etc. que prescrevem medicações de ação psicotrópica (tarja preta), e com isso o paciente é subtratado, agravando o seu estado clínico.

Você já teve conhecimento de um psiquiatra que trata de gastrite, ou de uma pneumonia?

Entretanto, há pessoas que, mesmo em meio ao sofrimento, relutam em procurar um profissional da área de saúde mental (psicólogos e/ou psiquiatras), devido ao estereótipo que “psicólogos e psiquiatras são médicos de loucos”. 

A depressão não pode ser tratada como uma ocorrência isolada, mas a partir do contexto no qual o indivíduo esteja inserido, ou seja, deve-se levar em conta o todo do paciente: dimensões biológicas, psicológicas e sociais. O tratamento deve ser próprio para cada indivíduo, podendo incluir psicoterapia, mudança de estilo de vida e terapia farmacológica de acordo com a gravidade e características de cada caso.

No Brasil, existem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que proporcionam atendimento gratuito para pessoas em sofrimento mental cuja severidade as impeçam de realizar suas atividades diárias. Conforme documento do Ministério da Saúde (2004), os CAPS têm como objetivo atender à população em sua área de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de saúde mental criado para substituir as internações em hospitais psiquiátricos (Rev. abordagem gestalt /Online/ 2013 vol.19, n.1).

Estudos apontam que tratamentos com psicoterapia combinada com medicação foram considerados mais eficazes do que tratamentos farmacoterapêuticos isolados, mesmo se considerando a necessidade de mais estudos nesta direção. Assim sendo, vislumbra-se o papel essencial que a psicologia pode exercer no desenvolvimento de intervenções que possam contribuir para amenizar o sofrimento do paciente em depressão.

5-   Conclusão

Na sociedade pós-moderna o mal-estar tem assumido novas dimensões, onde a relação entre organismo e meio fica evidente nos registros do corpo e da ação; dores diversas e inespecíficas, sensações de completo esgotamento, stress.

Esta nova modalidade de mal-estar implica numa substancial alteração no nível psicológico do indivíduo, resultando em isolamento, tristeza e alterações de humor, um “prato cheio” para a proliferação das síndromes depressivas.

Com isso a concepção de uma existência saudável fica seriamente comprometida. Entretanto o que se propõe hoje são ações de prevenção (profilaxia), na busca de uma vida mais saudável. Segundo Bohoslavsky, “não são as doenças que definem os indivíduos, mas sim os indivíduos que definem as doenças”.

Partindo do princípio que somos seres de relação, fica óbvio que o isolamento contribui em muito para o aparecimento de sintomas depressivos. O contato entre os seres é condição sine qua non para uma vida saudável. Torna-se necessário compreender que não basta apenas estar no mundo, mas sim, estar e interagir com ele, sem necessariamente responder as exigências massificadas de um contexto pós-modernista onde o ter é mais importante que o ser.

Viver corretamente não é mais apenas o cumprimento de uma ordem ética ou religiosa. Pela primeira vez na história, a sobrevivência física da espécie humana depende de uma radical mudança do coração humano. Todavia, uma transformação do coração humano só é possível na medida em que ocorram drásticas transformações econômicas e sociais que deem ao coração humano a oportunidade para mudança, coragem e visão para consegui-la. (Erich Fromm)


Valorize o seu viver!

REFERÊNCIAS:

COSTA,  Elisabeth M. Sene: Universo da depressão. São Paulo: Editora Agora.

DALGALARRONDO, Paulo: Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª Ed. São Paulo: Artmed, 2008.

KAPLAN & SADOCK: Compêndio de Psiquiatria. 7ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 1997.



Paulo Gusmão
Psicólogo Clínico - Méier /RJ
CRP: 05/45814
Tel: 2595-2359 / 97489 -8008

3 comentários:

  1. Artigo bem abrangente e bastante esclarecedor sobre SD. É muito oportuna a observação de que há uma intromissão(em vez de uma interação) de profissionais de outras áreas médicas em uma especialidade exclusiva da psiquiatria. Vivenciei uma experiência como essa. Descobri que era a genecologista de uma paciente com depressão pós parto é que estava receitando a medicação para o tratamento daquela forma de depressão. Consegui convencer a mãe da paciente a levá-la a um psiquiatra, pois percebi que estava acontecendo exatamente o que você tão bem afirma Paulo,ou seja, uma intromissão indevida, e, com isso a paciente estava sendo subtratada, agravando assim o seu quadro clínico. Talvez você não tenha tido essa intenção, mas com essa observação, para mim tão oportuna, acabou levantando uma questão ética inquietante e que merece reflexão e tratamento. Parabéns pelo seu estilo próprio de abordar o assunto. José Carlos Rocha Sales Psicólogo - CRP 05/45967

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  2. Sou professora, infelizmente vejo a cada dia muitos alunos e responsáveis com algum problema de falta de estímulo para as ações diárias. Este blog vem ao encontro da necessidade de esclarecimento sobre o tema, para que possamos entender melhor as dúvidas quanto a isso: será somente uma tristeza passageira, uma falta de energia, algo físico ou é hora de procurar o psicólogo. Obrigada pela ajuda.

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  3. A linguagem é objetiva e simultaneamente abrangente.Esclarece dúvidas frequentes. Não é academicista, mas não perde o foco do embasamento acadêmico. Muito útil para quem precisa de ajuda e para quem precisa ajudar.

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