1- Considerações
iniciais
Até
meados da década de 1970 não se cogitava sobre esse tema, acreditava-se que a
depressão infanto-juvenil fosse rara ou mesmo inexistente.
O reconhecimento do
quadro depressivo infantil como transtorno capaz de afetar pessoas dessa faixa
etária foi reivindicado pelo IV Congresso da União de Psiquiatras da Infância
Europeus, realizado em Estocolmo em 1971 (Annell, 1972). Isso resultou na
elaboração de critérios de diagnóstico para o denominando Transtorno Depressivo
da Infância e Adolescência (DSM-IV, 1994).
Ao
longo dos anos esse tema vem se tornando alvo de crescente preocupação entre os
profissionais da área de saúde, devido ao aumento gradativo dos casos. Essa
nova construção que fundamenta a noção da depressão infantil na pós-modernidade,
suscita alguns questionamentos:
- O que mudou nesses últimos anos para tornar esse assunto relevante?
- As crianças de hoje são diferentes das crianças das décadas passadas?
No
que tange tais questionamentos, há algumas situações preocupantes em nossos
dias, como a obesidade infantil – Opa! Você mudou radicalmente de assunto? Não,
vamos lá.
Índices indicam que
crianças com menos de 10 anos apresentam altas taxas de glicemia e colesterol, problemas
que poderiam surgir somente em idade adulta. Muito se atribui à massificação
dos fast-food e, principalmente, ao
excesso de atividades dos infantes. Certa psicóloga comentou que seu cliente de
8 anos, ao chegar à terapia, solicitava: “posso dormir um pouquinho?”.
Por
outro lado, as crianças também estão apresentando sintomas depressivos muito
cedo. Alguém poderia perguntar: onde você está querendo chegar?
As
situações apresentadas, apesar de divergentes em sua etiologia e sintomatologia,
convergem em seus aspectos sociais: as
crianças estão se tornando adultas muito cedo. Onde fica o tempinho de
brincar, da alimentação saudável e do contato com os pais? Essas consequentes mudanças,
e o próprio fato de a criança deixar de existir em sua essência básica, têm
acarretado o surgimento precoce de determinadas síndromes, entre elas, a
depressão. A pós-modernidade confere às famílias desafios sociais até então
ignorados, entre esses a precocidade infantil.
“É uma metáfora
simples. Nosso arranjo social, nos dias de hoje, se comporta como um líquido em
um recipiente. Ou seja, não se mantém por muito tempo em um mesmo estado. Está
sempre mudando. Enquanto gerações passadas se acostumaram a uma estabilidade de
todas as coisas, o homem contemporâneo enxerga as rápidas mudanças nos partidos
e movimentos políticos, nas causas, nas instituições que acabam, na moda, tudo
muda várias vezes. Tenho 88 anos e já vi vários arranjos sociais”, disse Bauman
(conceito de “liquidez” da sociedade pós-moderna, Bauman).
2-
Sintomatologia
Os
sintomas das síndromes depressivas em crianças não são, necessariamente, iguais
aos apresentados em adultos. Estudos nesse sentido levam em consideração as
alterações decorrentes de mudanças de faixas etárias.
Este artigo não se
propõe a descrever os possíveis fatores físicos da depressão na infância. Nosso
foco está na relação organismo/meio como as questões familiares, bem como as
dificuldades no ambiente escolar.
Os sintomas preliminares da depressão na infância podem incluir, por exemplo, uma redução significativa do interesse e da atenção do menor. Em não se tratando de uma depressão biológica ou com importante componente hereditário, algumas causas na relação do indivíduo com o meio podem ser capazes de comprometer o interesse e a atenção da criança, como os conflitos intrafamilares, bem como as dificuldades na adaptação ao ambiente escolar.
Você tem percebido o
comportamento do seu filho nas últimas semanas?
Aquela
fisionomia triste, comunicação monossilábica, atitudes agressivas. E quando ele
se tranca no quarto e já não quer brincar ou mesmo ir para a escola; como diria
Hamlet, "Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Tendo em vista a
importância das mudanças de comportamento infantil, pais e professores devem
ficar atentos para acontecimentos que chamam atenção; um grito de socorro pode
estar eclodindo: “atenção adultos, estou precisando de ajuda!”.
Você tem conversado com o seu
filho nas últimas semanas?
Mudanças
de comportamento repentino, tais como: violações às regras sociais, oposição
brusca aos pais e professores, são indicativos de que fatores externos, ou
mesmo internos, estão acometendo a criança. O que devo fazer? Deixá-lo de
castigo, proibir que utilize a internet? Segundo Martin Buber, “O ser humano se torna eu pela relação com o
você, à medida que me torno eu, digo você. Todo viver real é encontro”.
O real encontro ocorre
pelo diálogo, que é a laboriosa arte do encontro entre duas pessoas, a
construção de uma relação profícua. Só assim vamos ajudar a criança a enfrentar
o seu, possível, drama existencial.
O baixo rendimento escolar e as dificuldades de
aprendizagem também estão presentes nos quadros depressivos da infância, seja
da depressão biológica, seja das reações depressivas diante dos problemas
vivenciais. Declínio no rendimento escolar, particularmente acompanhado de
desinteresse geral, pode ser reflexo de ambiente escolar estressante, por conta
de colegas ou professores. A falta de empatia com professores, eventuais
situações vexatórias diante dos colegas ou bullying podem resultar em severo
desinteresse (PsiqWeb).
Quando
a criança deixa de verbalizar suas emoções, perde o contato consigo mesmo e com
o meio, um sinal claro de que o isolamento social se instalou. E o que isso
acarreta? Um profundo sentimento de tristeza que tende a se agravar, se não forem
tomadas providências.
3- A
criança com depressão e a família
Na
maioria das vezes é difícil, para a família, perceber e admitir que seu
“baixinho” está passando por uma síndrome depressiva.
“Esse
garoto não fala com ninguém, ele é manhoso", "birrento",
"nervoso", "mal-educado”.
Os
sintomas que apontam para a doença só passam a ser percebidos quando o quadro
de atitudes e comportamentos é bizarro, ou seja, estranho ao ponto de chamar a
atenção dos adultos. Essa incompreensão sobre o que está acontecendo com a
criança adia a procura por ajuda profissional e, consequentemente, protela o
diagnóstico.
3.1 Cuidados
com o infante
A
importância do acompanhamento psicológico é fundamental, evitando, assim, a
evolução do quadro clínico e, na possibilidade de existirem componentes
orgânicos associados, é imprescindível à ação do psiquiatra.
O
profissional especializado (psicólogo / psiquiatra) tem condições de avaliar
com profundidade, não só as questões decorrentes de fatores biológicos, como as
decorrentes de situações vivenciais, tais como: violência física, sexual, maus
tratos, bullying, queixas escolares.
4
- Conclusão:
Reflexões
sobre o modo de viver das sociedades contemporâneas nos colocam diante do novo,
o que implica repensar nosso papel dentro desse contexto. As mudanças que vêm
ocorrendo influenciam diretamente as práticas desenvolvidas principalmente nos
ambientes familiar e escolar e, consequentemente, o desenvolvimento dos
sujeitos inseridos nesse cenário.
Os
desafios existenciais não são privilégios unicamente dos adultos, a criança
também tem seus desafios, principalmente dentro desse arranjo pós-moderno, onde
o embate com o mundo tem seu início muito cedo e o calor humano se dissipa
velozmente. Em meio a tais circunstâncias, nossa
sociedade tem se tornado cada vez mais complexa, construindo um quadro
alarmante de conflitos e de valores.
É
imprescindível que haja esforços efetivos para a compreensão da pessoa humana,
principalmente dos seres sensíveis que se colocam diante de nós, em busca de
amor, cuidado e respeito. Fechar os olhos para tal situação é construir um
casulo e nele se manter hermeticamente fechado, pior, negligenciar nosso papel
de pais, cuidadores, professores etc.
“Ser responsável pelo
outro” e ‘ser responsável por si mesmo’ vêm a ser a mesma coisa”
(BAUMAN).
Referências:
BALLONE
GJ, Depressão
Infantil, in. Psiqweb,
Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido –
Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
SOUZA, Vera Lucia
Trevisan. et al. Psicologia, educação e a sociedade contemporânea: reflexões sob a perspectiva da psicologia
sócio-histórica. Psicólogo inFormação ano 11, n. 11, jan./dez. 2007.
Paulo Gusmão
Psicólogo Clínico - Méier /RJ
CRP: 05/45814
Tel: 2595-2359 / 97489 -8008 / 97489-8008
VEJA MEU PERFIL NO DOCTORALIA.
Mais um artigo abrangente e relevante para profissionais da saúde mental e também para leigos, escrito pelo meu amigo Paulo Gusmão. Essa precocidade infantil dos dias de hoje, denunciada no artigo, na verdade é reflexo do paradoxo do avanço e do retrocesso nos arranjos sociais coexistentes na pós-modernidade. Por um lado tem-se o conceito moderno(se considerarmos recente a história da ciência) de infância como um período especial de desenvolvimento, em que o indivíduo deve ser cuidado, protegido e supervisionado; por outro, vive-se na prática o conceito que predominava na Idade Média segundo o qual a criança era como um adulto em miniatura e devia raciocinar, sentir e agir basicamente como os adultos. Essa concepção influencia o tratamento que a sociedade dispensa às crianças, e em função disso ocorre o que artigo tão bem assinala: "...crianças com menos 10 anos apresentam problemas que poderiam surgir somente em idade adulta..."
ResponderExcluirJosé Carlos Rocha Sales-Psicólogo-CRP 05/45967