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sábado, 5 de abril de 2014

Depressão na infância - Uma abordagem social




1-  Considerações iniciais

Até meados da década de 1970 não se cogitava sobre esse tema, acreditava-se que a depressão infanto-juvenil fosse rara ou mesmo inexistente.
O reconhecimento do quadro depressivo infantil como transtorno capaz de afetar pessoas dessa faixa etária foi reivindicado pelo IV Congresso da União de Psiquiatras da Infância Europeus, realizado em Estocolmo em 1971 (Annell, 1972). Isso resultou na elaboração de critérios de diagnóstico para o denominando Transtorno Depressivo da Infância e Adolescência (DSM-IV, 1994).

Ao longo dos anos esse tema vem se tornando alvo de crescente preocupação entre os profissionais da área de saúde, devido ao aumento gradativo dos casos. Essa nova construção que fundamenta a noção da depressão infantil na pós-modernidade, suscita alguns questionamentos: 
  1. O que mudou nesses últimos anos para tornar esse assunto relevante? 
  2. As crianças de hoje são diferentes das crianças das décadas passadas?

No que tange tais questionamentos, há algumas situações preocupantes em nossos dias, como a obesidade infantil – Opa! Você mudou radicalmente de assunto? Não, vamos lá.

Índices indicam que crianças com menos de 10 anos apresentam altas taxas de glicemia e colesterol, problemas que poderiam surgir somente em idade adulta. Muito se atribui à massificação dos fast-food e, principalmente, ao excesso de atividades dos infantes. Certa psicóloga comentou que seu cliente de 8 anos, ao chegar à terapia, solicitava: “posso dormir um pouquinho?”.

Por outro lado, as crianças também estão apresentando sintomas depressivos muito cedo. Alguém poderia perguntar: onde você está querendo chegar? 

As situações apresentadas, apesar de divergentes em sua etiologia e sintomatologia, convergem em seus aspectos sociais: as crianças estão se tornando adultas muito cedo. Onde fica o tempinho de brincar, da alimentação saudável e do contato com os pais? Essas consequentes mudanças, e o próprio fato de a criança deixar de existir em sua essência básica, têm acarretado o surgimento precoce de determinadas síndromes, entre elas, a depressão. A pós-modernidade confere às famílias desafios sociais até então ignorados, entre esses a precocidade infantil.
“É uma metáfora simples. Nosso arranjo social, nos dias de hoje, se comporta como um líquido em um recipiente. Ou seja, não se mantém por muito tempo em um mesmo estado. Está sempre mudando. Enquanto gerações passadas se acostumaram a uma estabilidade de todas as coisas, o homem contemporâneo enxerga as rápidas mudanças nos partidos e movimentos políticos, nas causas, nas instituições que acabam, na moda, tudo muda várias vezes. Tenho 88 anos e já vi vários arranjos sociais”, disse Bauman (conceito de “liquidez” da sociedade pós-moderna, Bauman).

2-        Sintomatologia

Os sintomas das síndromes depressivas em crianças não são, necessariamente, iguais aos apresentados em adultos. Estudos nesse sentido levam em consideração as alterações decorrentes de mudanças de faixas etárias.

Este artigo não se propõe a descrever os possíveis fatores físicos da depressão na infância. Nosso foco está na relação organismo/meio como as questões familiares, bem como as dificuldades no ambiente escolar. 

Os sintomas preliminares da depressão na infância podem incluir, por exemplo, uma redução significativa do interesse e da atenção do menor. Em não se tratando de uma depressão biológica ou com importante componente hereditário, algumas causas na relação do indivíduo com o meio podem ser capazes de comprometer o interesse e a atenção da criança, como os conflitos intrafamilares, bem como as dificuldades na adaptação ao ambiente escolar.

Você tem percebido o comportamento do seu filho nas últimas semanas?

Aquela fisionomia triste, comunicação monossilábica, atitudes agressivas. E quando ele se tranca no quarto e já não quer brincar ou mesmo ir para a escola; como diria Hamlet, "Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Tendo em vista a importância das mudanças de comportamento infantil, pais e professores devem ficar atentos para acontecimentos que chamam atenção; um grito de socorro pode estar eclodindo: “atenção adultos, estou precisando de ajuda!”.

Você tem conversado com o seu filho nas últimas semanas?

Mudanças de comportamento repentino, tais como: violações às regras sociais, oposição brusca aos pais e professores, são indicativos de que fatores externos, ou mesmo internos, estão acometendo a criança. O que devo fazer? Deixá-lo de castigo, proibir que utilize a internet? Segundo Martin Buber, “O ser humano se torna eu pela relação com o você, à medida que me torno eu, digo você. Todo viver real é encontro”.

O real encontro ocorre pelo diálogo, que é a laboriosa arte do encontro entre duas pessoas, a construção de uma relação profícua. Só assim vamos ajudar a criança a enfrentar o seu, possível, drama existencial.


O baixo rendimento escolar e as dificuldades de aprendizagem também estão presentes nos quadros depressivos da infância, seja da depressão biológica, seja das reações depressivas diante dos problemas vivenciais. Declínio no rendimento escolar, particularmente acompanhado de desinteresse geral, pode ser reflexo de ambiente escolar estressante, por conta de colegas ou professores. A falta de empatia com professores, eventuais situações vexatórias diante dos colegas ou bullying podem resultar em severo desinteresse (PsiqWeb).

Quando a criança deixa de verbalizar suas emoções, perde o contato consigo mesmo e com o meio, um sinal claro de que o isolamento social se instalou. E o que isso acarreta? Um profundo sentimento de tristeza que tende a se agravar, se não forem tomadas providências.
3-  A criança com depressão e a família

Na maioria das vezes é difícil, para a família, perceber e admitir que seu “baixinho” está passando por uma síndrome depressiva.

“Esse garoto não fala com ninguém, ele é manhoso", "birrento", "nervoso", "mal-educado”.

Os sintomas que apontam para a doença só passam a ser percebidos quando o quadro de atitudes e comportamentos é bizarro, ou seja, estranho ao ponto de chamar a atenção dos adultos. Essa incompreensão sobre o que está acontecendo com a criança adia a procura por ajuda profissional e, consequentemente, protela o diagnóstico.
3.1   Cuidados com o infante

A importância do acompanhamento psicológico é fundamental, evitando, assim, a evolução do quadro clínico e, na possibilidade de existirem componentes orgânicos associados, é imprescindível à ação do psiquiatra.
O profissional especializado (psicólogo / psiquiatra) tem condições de avaliar com profundidade, não só as questões decorrentes de fatores biológicos, como as decorrentes de situações vivenciais, tais como: violência física, sexual, maus tratos, bullying, queixas escolares.


4 - Conclusão:

Reflexões sobre o modo de viver das sociedades contemporâneas nos colocam diante do novo, o que implica repensar nosso papel dentro desse contexto. As mudanças que vêm ocorrendo influenciam diretamente as práticas desenvolvidas principalmente nos ambientes familiar e escolar e, consequentemente, o desenvolvimento dos sujeitos inseridos nesse cenário.

Os desafios existenciais não são privilégios unicamente dos adultos, a criança também tem seus desafios, principalmente dentro desse arranjo pós-moderno, onde o embate com o mundo tem seu início muito cedo e o calor humano se dissipa velozmente. Em meio a tais circunstâncias, nossa sociedade tem se tornado cada vez mais complexa, construindo um quadro alarmante de conflitos e de valores. 
É imprescindível que haja esforços efetivos para a compreensão da pessoa humana, principalmente dos seres sensíveis que se colocam diante de nós, em busca de amor, cuidado e respeito. Fechar os olhos para tal situação é construir um casulo e nele se manter hermeticamente fechado, pior, negligenciar nosso papel de pais, cuidadores, professores etc.

“Ser responsável pelo outro” e ‘ser responsável por si mesmo’ vêm a ser a mesma coisa”
(BAUMAN).



Referências:
BALLONE GJ, Depressão Infantil, in. Psiqweb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.


SOUZA, Vera Lucia Trevisan. et al. Psicologia, educação e a sociedade contemporânea: reflexões sob a perspectiva da psicologia sócio-histórica. Psicólogo inFormação ano 11, n. 11, jan./dez. 2007.


Paulo Gusmão
Psicólogo Clínico - Méier /RJ
CRP: 05/45814
Tel: 2595-2359 / 97489 -8008 / 97489-8008

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Um comentário:

  1. Mais um artigo abrangente e relevante para profissionais da saúde mental e também para leigos, escrito pelo meu amigo Paulo Gusmão. Essa precocidade infantil dos dias de hoje, denunciada no artigo, na verdade é reflexo do paradoxo do avanço e do retrocesso nos arranjos sociais coexistentes na pós-modernidade. Por um lado tem-se o conceito moderno(se considerarmos recente a história da ciência) de infância como um período especial de desenvolvimento, em que o indivíduo deve ser cuidado, protegido e supervisionado; por outro, vive-se na prática o conceito que predominava na Idade Média segundo o qual a criança era como um adulto em miniatura e devia raciocinar, sentir e agir basicamente como os adultos. Essa concepção influencia o tratamento que a sociedade dispensa às crianças, e em função disso ocorre o que artigo tão bem assinala: "...crianças com menos 10 anos apresentam problemas que poderiam surgir somente em idade adulta..."
    José Carlos Rocha Sales-Psicólogo-CRP 05/45967

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